Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), autismo é um transtorno neurológico caracterizado por comprometimento da interação social e da comunicação verbal e não-verbal, bem como comportamento restrito e repetitivo (estereotipado). Esse DSM agrupou o autismo, o transtorno desintegrativo da infância, o transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado (PDD-NOS) e a síndrome de asperger, como integrantes de um único diagnóstico chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA). O espectro agrupa desde um quadro mais leve (alta funcionalidade), com inteligência acima da média, a casos em que há deficiência intelectual (baixa funcionalidade).
Crianças ou indivíduos que se enquadrem neste conceito podem ter um tipo comprometimento intelectual que, por sua vez, compromete seu desenvolvimento e evolução nas esferas social e acadêmica. Assim, o autismo é uma síndrome comportamental que apresenta características básicos como:
- – Dificuldade de interação social;
- – Déficit de comunicação social, tanto quantitativo quanto qualitativo;
- – Padrões inadequados de comportamento que não possuem finalidadesocial.
Como o autismo é uma condição permanente, a criança nasce com autismo e torna-se um adulto com autismo. Assim como qualquer ser humano, cada pessoa com autismo é única.
É importante destacar que o autismo não é uma doença, mas, sim, uma característica, assim como a cor dos olhos de cada um. A palavra autismo foi utilizada primeiramente pelo pesquisador Bleuler, em 1911, significando a perda de contato com a realidade. O termo refere-se às crianças pesquisadas, que viviam num mundo próprio, dentro de si mesmas, daí a raiz “auto” (voltado para si próprio).
Posteriormente, Kanner publica os primeiros artigos, apontando a questão do autismo presente em 11 crianças, no ano de 1943. No ano seguinte, Asperger publica estudos onde as crianças com autismo apresentavam certa desenvoltura cognitiva e inteligência normal. O TEA pode ser associado com deficiência intelectual, dificuldades de coordenação motora e de atenção e, às vezes, as pessoas com autismo têm problemas, tais como distúrbios do sono e gastrointestinais e podem apresentar outras condições como síndrome de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia ou dispraxia e epilepsia. Para esta última comorbidade, alguns médicos estão receitando, inclusive, o canabidiol e obtido bons resultados.
Algumas pessoas com TEA podem ter dificuldades de aprendizagem em diversos estágios da vida, desde estudar na escola, até aprender atividades da vida diária, como, por exemplo, tomar banho ou preparar a própria refeição. Algumas poderão levar uma vida relativamente “normal”, enquanto outras poderão precisar de apoio especializado ao longo de toda a vida. Nas crianças autistas é comum percebermos aspectos como o isolamento extremo com atitudes de indiferença em relação às pessoas e aos objetos, ritualizações, estereotipias gestuais, distúrbios de linguagem, incapacidade de utilizar pronomes e falta de contato visual.[1] No entanto, ainda há crianças, as hiposensíveis, que gostam de muitos toques e abraços.
As pessoas com autismo podem ter alguma forma de sensibilidade sensorial. Isto pode ocorrer em um dos cinco sentidos ou em mais de um deles (visão, audição, olfato, tato e paladar) que podem ser mais ou menos intensificados. É possível até ocorrer a hipersensibilidade em um dos sentidos e, ao mesmo tempo, hiposensibilidade em outro. Por exemplo, uma pessoa com autismo pode achar determinados sons de fundo, que outras pessoas ignorariam, insuportavelmente barulhentos. Isto pode causar ansiedade ou mesmo dor física. Alguns indivíduos que são hiposensíveis podem não sentir dor ou temperaturas extremas. Outros podem balançar, rodar ou agitar as mãos para criar sensação, para ajudar com o balanço e postura, para lidar com o stress ou, ainda, para demonstrar alegria.
As pessoas com sensibilidade sensorial podem ter mais dificuldade no conhecimento adequado de seu próprio corpo. Consciência corporal é a forma como o corpo se comunica consigo mesmo ou com o meio. Um bom desenvolvimento do esquema corporal pressupõe uma boa evolução da motricidade, das percepções espaciais e temporais, e da afetividade.[2]
Legislação aplicada
A Lei nº 13.146 de 2015 que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) define quem é a pessoa com deficiência e determina como deve ser a sua reabilitação, bem como a obrigatoriedade no diagnóstico e intervenção precoces. O autismo não é uma doença, mas uma característica que precisa de atenção especial, no entanto, para salvaguardar os direitos da pessoa incluída no TEA, a lei 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, considerou tal transtorno como deficiência, para que as pessoas possam ter seus direitos respeitados. Essa legislação prevê em seus artigos 2°, III e 3°, III, “b” a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo, por exemplo.
Vale ainda mencionar os artigos 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem o direito ao respeito da dignidade da criança, bem como a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral. No âmbito do direito à saúde, para quem é beneficiário de plano de saúde particular, há o amparo da lei 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde,
e determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, que trata-se de uma relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial de Saúde.
A CID 10, no capítulo V, prevê todos os tipos de Transtornos do Desenvolvimento Psicológico. Um destes é o Transtorno Global do Desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo. Além disso, há a proteção do Código de Defesa do Consumidor que proíbe, entre outras práticas abusivas, a cláusula que limita o número de sessões de terapia. Importante lembrar que o rol de procedimentos da ANS estabelece o mínimo obrigatório que as operadoras de planos de saúde devem cobrir e não o máximo, como elas alegam para seus consumidores.
Assim, o argumento das operadoras de seguir o que consta no referido rol da ANS não prevalece, eis que uma listagem emitida por órgão regulador não pode se sobrepor à lei 9.656/98, nem ao Código de Defesa do Consumidor, nem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou seja, não pode limitar o que a lei não restringiu.
Fundamental destacar também que o médico é o responsável pela orientação terapêutica ao paciente, de forma que se a enfermidade necessita de tratamento prolongado, ou seja, se o profissional assistente não limitou a quantidade de terapias, não pode a operadora do plano de saúde pretender limitá-las. Os usuários do SUS – Sistema Único de Saúde possuem os mesmos direitos de
acesso ao tratamento, assim, os entes públicos devem fornecer o tratamento também de forma especializada.
Um grande problema enfrentado pelas crianças autistas é a discriminação no âmbito escolar. Muitas instituições de ensino, inclusive, se recusam a matricular tais crianças. Imprescindível lembrar que, para as escolas que recusarem tais matrículas, a Lei 12.764 prevê multa de 3 a 20 salários mínimos. A sorte de problemas enfrentados é tão grande que há um projeto de lei (PL
1688/19) tramitando em caráter de urgência na Câmara dos Deputados para a criação de um disque-denúncia para relato de casos de discriminação. O objetivo da lei é obrigar o poder público a criar esse canal e oferecê-lo à população em âmbito nacional.
Além das negativas de matrículas, todo tipo de preconceito sofrido poderá ser denunciado, como impedimento na contratação de planos de saúde, cobertura negada, discriminação no mercado de trabalho ou em qualquer outro local e situação. Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, há cerca de dois milhões de pessoas enquadradas no espectro. No entanto, essa informação fora obtida em uma amostra realizada na cidade de Atibaia/SP e replicada para o restante do país.
A boa notícia é que os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista. A nova regra, instituída pela Lei 13.861, de 2019, foi publicada na edição de 19/07/2019 do Diário Oficial da União (DOU). A inclusão de perguntas sobre o autismo no censo contribuirá para determinar quantas pessoas no Brasil apresentam esse transtorno e como elas estão distribuídas pelo território, obtendo, dessa forma, um número mais verdadeiro. Com tais dados é possível direcionar as políticas públicas de forma mais adequada para que os recursos sejam corretamente aplicados em prol de quem tem autismo.
1 Kanner, 1943 citado por Sibemberg, 1998
2 http://autismo.institutopensi.org.br/informe-se/sobre-o-autismo/o-que-e-autismo/